segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Mesa 2 – A Segregação urbana e desigualdades sociais

por Tatiana Rodrigues Nahas

Na manhã de segunda-feira, os trabalhos da conferência RC21 da ISA foram abertos com a plenária “Segregação urbana e desigualdades sociais”, com apresentações de Edmond Preteceille (do Instituto de Estudos Políticos, Science Po, da França), Enzo Mingione ( da Universidade de Milão, na Itália) e John Logan (da Universidade Brown, nos EUA). Maria Cristina Leme, da Universidade de São Paulo, mediou o debate que versou sobre a configuração espacial das desigualdades sociais nas metrópoles e as ferramentas de mensuração desse fenômeno.

Edmond chamou a atenção para o fato de que os estudos sociológicos têm se dedicado pouco à classe média, a suas relações com as demais classes e a sua dinâmica no espaço urbano. Uma das razões apontadas é a de que em alguns países a classe média está invisível para as estatísticas. Outro elemento que dificulta seu estudo sistemático, segundo o pesquisador, seria o fato de a classe média, à diferença das demais classes, não ter um senso de identidade próprio, pautando-se mais por uma imitação da classe alta e tentativa de se mover em direção a ela.

Ele provocou a plateia dizendo que “o que os sociólogos não vêem, os marqueteiros estão analisando a sério”, ao lembrar que os sociólogos brasileiros não desenvolveram uma nomenclatura própria para investigar a classe média e acabaram se apropriando daquela criada no âmbito dos estudos de marketing (“classes C e D”). Assim, propôs “reabilitar a classe média como objeto de estudo para a sociologia”, já que as desigualdades, segregações e demais relações sociais nas metrópoles só podem ser compreendidas se forem considerados todos os elementos que compõem esse sistema.

Enzo, por outro lado, centrou sua exposição na dinâmica da classe trabalhadora nas cidades. Ele defendeu que a sociedade da era pós-industrial está produzindo mais do que a polarização social tradicionalmente objeto de estudo da sociologia; está produzindo fragmentação e um forte processo de exclusão social da classe trabalhadora.

Segundo o pesquisador, as sociedades neste período vêm se tornando mais heterogêneas e mais individualizadas. No que diz respeito às classes trabalhadoras, a consequência tem sido de maior instabilidade, tanto no tipo de trabalho quanto até mesmo no âmbito familiar. Ele destacou ainda que as ferramentas em uso para interpretar a configuração espacial das desigualdades no contexto urbano estão obsoletas.

John iniciou sua apresentação fazendo referência às duas anteriores no que diz respeito às categorias usadas para definir as desigualdades. Disse que as apresentações confirmaram que o esforço para identificar e definir essas categorias não é nada simples e usou como exemplo os imigrantes, uma categoria social complexa. Segundo ele, quando se fala em imigrantes é difícil criar generalizações em relação às classes sociais, afinal não dá para dizer que são mais desfavorecidos ou que não falam a língua do país para o qual migraram etc.

Quanto à segregação, John também expôs um olhar crítico. Defendeu a abordagem de outras dimensões para a análise deste fenômeno nas cidades, ademais de somente avaliar o nível de segregação em curso, como tem sido o foco de muitos estudos sociológicos. Assim, propôs que se procure entender nesses estudos tanto o porquê da ocorrência de segregação (“como as pessoas chegaram naquele ‘gueto’?”), quanto como está a qualidade de vida dos grupos segregados. Como exemplo dessa abordagem, mostrou os resultados de um estudo que realizou sobre desigualdades sociais e segregação nas vizinhanças negras de Nova Iorque, com enfoque no grupo afrocaribenho de classe média.

Maria Cristina mencionou rapidamente resultados de um estudo que realizou em colaboração com Adailsa Sposati sobre a dinâmica da segregação na Região Metropolitana de São Paulo. Nesse estudo, verificaram que há nítida segmentação do território ainda dentro do modelo centro-periferia, mas atualmente essa segregação mostra-se um pouco mais fragmentada em especial no município de São Paulo. Isso está caracterizado tanto por uma disputa pela periferia travada entre diferentes classes sociais, quanto pela condução de projetos de renovação urbana no centro que podem expulsar habitantes e comércio tradicionais da região.

domingo, 23 de agosto de 2009

A primeira mesa - Um reflexão sobre identidade e pertencimento em São Paulo, Estados Unidos, Holanda e Viena




A sessão plenária de abertura, a primeira de três que ocorreriam durante a Conferência, debateu o tema “Identidade e Pertencimento”.

O pertencimento, o sentir-se cidadão, ou em alguns casos fazer-se cidadão, em quatro localidades: São Paulo, na palestra de Tereza Caldeira, um estudo comparativo entre Estados Unidos e Holanda, com Jan Duyvendak, e, por último, a questão da identidade europeia no caso específico de Viena com Andreas Novy.

Caldeira abriu o evento com um exemplo conhecido dos paulistanos, mas que poderia servir comparativamente a outros aglomerados urbanos. A pesquisadora falou da oposição entre as pichações e as câmeras e muros, formas de controle. Esse desequilíbrio simbólico da uniformidade do espaço marca a tensão social do cotidiano urbano de São Paulo. “A pichação, ao contrário do grafite, continua a ser transgressora, uma mistura de anarquismo e risco físico”. A pichação demonstra essa anarquia, o puro ódio vindo da necessidade de fazer-se pertencer.

Nesta cidade de muros e medos, “antes a violência não podia ser marcada, era necessário dar a falsa impressão de que havia mobilidade social”. Com a democratização da vida política, “surgiu a possibilidade de manifestações como a de pichadores ocorrer, possibilidade à transgressão, mas mesmo assim ainda não é o espaço necessário”.

Jan trabalhou o conceito da nostalgia, da tradição que impede o fazer pertencer, e dentro dessa ideia fez uma comparação interessante. Procurou entender o pertencimento em dois espaços diferentes, Estados Unidos e Holanda, mas não apenas; também observou a mudança de pertencimento que se origina no espaço privado e o que se origina no espaço público. A nostalgia dos Estados Unidos. A nostalgia na Holanda.

Por um lado, o sentir-se em casa surge a partir da mudança do lar doméstico. Nós Estados Unidos, ocorreu uma mudança sem volta, a modernização da casa, que começa a ocorrer por volta dos anos 50, inclusive com exemplos vindos da Europa. “São as chances iguais para homens e mulheres. A nostalgia daquele mundo só ocorre porque o atual está em crise.”

Na Holanda, algo diferente. Há ali uma “culturalização da cidadania, assimilação forçada de viés progressista, mas de não-tolerância com os intolerantes”. O pertencimento na Holanda envolve algo que não foi requisitado pelos holandeses. Se nos Estados Unidos a mudança ocorreu pela luta, um esforço conjunto, a casa na Holanda foi “invadida” por uma onde de migrantes, principalmente muçulmanos. Jan desenvolve dois conceitos, o de haven (abrigo) e o de heaven (paraíso). Neste caso holandês, há o conceito de paraíso, mais problemático, pois a manifestação da maioria contra uma minoria expõe o sentimento de quem não quer o intruso, mais especificamente os muçulmanos. Aí está a culturalização da cidadania.

Andréas Novy pegou o gancho. Na verdade, acabou por complementar e amarrar a noite. Falou sobre a identidade europeia, centrando-se no caso de Vienna. Uma de suas argumentações foi a “diferença entre o nós e os outros”.

É o problema da criação de uma exclusividade de grupo, a criação de uma solidariedade interna e os inimigos externos, a última instância que pode atingir o estrangeiro. Existem os de fora e os de dentro, e isso em uma situação em que a globalização mina as fronteiras, com um fluxo de informações pela Internet, com o fluxo de capitais.

Vienna é um caso interessante a se observar, pois constitui o que seria, em certa instância, o ponto de encontro entre o mundo oriental e ocidental. Mas para Novy, há dimensões desse problema que devem ser observados. A questão não está simplesmente na questão cultural, mas dentro do campo socioeconômico. “Temos que criar uma cultura simples, uma norma de identidade monoétnica, no sentido de que não deve fazer diferenças e respeitar a diversidade, mas dentro de níveis de igualdade”. O problema econômico não deve ficar sem ser observado.

A abertura oficial – breves discursos sobre a importância da Conferência CEM/RC21

No dia 23 de agosto, foi aberta a Conferência “Desigualdade, Inclusão e sentido de Pertencimento”, do RC21 (Reasearch Comitee 21) da ISA (Associação Internacional de Sociologia), feita em parceria e sediada pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM).

A mesa de abertura, que deu voz a alguns dos realizadores e apoiadores do evento, foi breve. No entanto, pôde resumir um pouco do que significou não apenas a Conferência, mas todo o conjunto de atividades realizados pelo RC21 e pelo CEM no mês de agosto – como a Escola de Estudos Urbanos e a mostra de documentários “Invenção no Cotidiano”.

Yuri Karazepov, vice-presidente do RC21, apontou uma das principais características do Comitê: o fato de ter uma longa tradição de colocar em contato pessoas que estudam os problemas urbanos de diferentes ponto de vista. Como havia revelado em entrevista concedida à Imprensa do CEM, cerca de 60% dos membros do RC21 são sociólogos.

O restante vem de outras origens acadêmicas. A Conferência permitiria aos pesquisadores participantes observar um campo fértil para a dimensão comparativa entre as realidades urbanas de cidades no sul global e no norte global. “As diferenças existem, sem dúvida, mas aqui poderemos perceber os elementos em comum que nos ajudem a entender essa realidade”.

A presidente da Anpur (Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), Leila Cristina Dias, concordou com o vice-presidente da RC21, e viu ali uma oportunidade “para que seja aberto um campo de reflexão no presente e para o futuro”.

Fechou essa breve mesa de abertura o representante da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e coordenador do programa de Cepids (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão), Hernán Chaimovich. Ele fez questão de ressaltar o papel do CEM dentro do programa de Cepids. “O CEM é um exemplo dentro do programa de Cepids e hoje realiza uma reflexão sobre as metrópoles que não é apenas referência dentro do Brasil. Ela é referência e ponto”. Nesse sentido, destacou o caráter internacional do Centro, não apenas pela Conferência que ali tinha início, mas pela reflexão do Centro, que engloba também dimensões comparativas com casos externos. “Ter um Centro que olha e pensa sobre a metrópole nesse sentido é um orgulho para a Fapesp”.